Artigos26 de agosto de 2020

Conta-Covid é primeiro passo na recuperação do setor elétrico

A tem afetado as cadeias do setor elétrico brasileiro de forma variada e a regulação teve que agir frente aos efeitos que estão sendo medidos.

Entre esses impactos destaca-se a queda do consumo de alguns segmentos, o aumento das perdas não-técnicas e da inadimplência, o excesso de contratação de energia pelas distribuidoras e a diminuição das receitas por elas arrecadas, além de dificuldades na continuidade de obras e atividades de manutenção como possíveis descumprimentos de prazos e outras obrigações contratuais.

A resposta imediata do governo federal frente aos impactos da crise no setor elétrico foi a edição da Medida Provisória 950, em 8.abr.2020.

Além de prever isenção total de pagamento da tarifa social, a MP autorizou o uso de recursos provenientes da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para amortizar operações financeiras contraídas pelas distribuidoras. A CDE é uma conta segregada, gerida atualmente pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), voltada a promover o desenvolvimento energético no país e o custeio de políticas públicas setoriais.

A MP foi regulamentada em 18.mai.2020 pelo Decreto 10.350 que, a partir da autorização para uso dos recursos da CDE, traçou as primeiras bases da chamada Conta-Covid. O Decreto previu a competência da CCEE para captar os recursos a serem emprestados para as distribuidoras e gerir a Conta-Covid. Estabeleceu, ainda, a lógica dos repasses financeiros e os critérios para amortizar os empréstimos.

A operacionalização da Conta-Covid foi detalhada pela Resolução Normativa 885, editada em 23.jun.2020 pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A MP 950 perdeu validade em 5.ago.2020. Ainda assim, embora sua base legal não mais exista no ordenamento jurídico, a Conta-Covid não perdeu sua segurança jurídica, uma vez que sua regulamentação e operacionalização já foram estabelecidas por meio de atos jurídicos perfeitos.

Distribuidoras

Por deterem mercado cativo e arrecadarem tarifas, as distribuidoras são a porta de entrada de recursos que financiam o restante do setor elétrico, garantindo os contratos de compra e venda de energia firmados com geradores e comercializadores. Além disso, as distribuidoras foram mais imediatamente impactadas pela crise em função do aumento das inadimplências, da queda do consumo e das isenções tarifárias.

Assim, ao focar a resposta regulatória inicialmente no socorro às distribuidoras, e, sem descartar outras medidas regulatórias mais estruturais, garante-se liquidez de caixa e fluxo de pagamentos.

Desenho regulatório

O desenho regulatório adotado foi bastante engenhoso: a CCEE gere uma conta na qual ficarão depositados recursos emprestados pelos bancos públicos e privados que se prontificaram a participar do mecanismo. Esses recursos serão repassados às distribuidoras para compensar a queda de faturamento e antecipar receitas que já estavam previstas nas tarifas de 2020 e 2021. A primeira parcela dos recursos já foi repassada em 31.jul.2020.

A CCEE foi incumbida de negociar com instituições financeiras a captação de recursos para a Conta-Covid observando os valores máximos de crédito a ser concedido para cada distribuidora calculado pela ANEEL. As operações financeiras foram contratadas pela CCEE junto a 16 bancos no valor total aproximado de R$ 15,3 bilhões, sem a participação de recursos públicos.

As distribuidoras tiveram que manifestar sua adesão à Conta-Covid, por meio do Termo de Aceitação, nomomento em que declararam os montantes de recursos que pretendiam utilizar. Os empréstimos feitos às distribuidoras que optaram por aderir à Conta-Covid serão amortizados  do pagamento pelas distribuidoras de encargo adicional inserido na CDE (a CDE-Covid, encargo que também será gerenciado pela CCEE) na proporção dos valores a elas repassados.

Quem paga a conta?

De acordo com a regulamentação, as distribuidoras alocarão os encargos do empréstimo na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e na Tarifa de Energia (TE). Assim, o consumidor cativo pagará a conta ao final, porém, em prazo mais diluído. A regulamentação determina que o pagamento do encargo setorial CDE-Covid e o recolhimento da respectiva quota para amortização das operações financeiras serão realizados a partir dos processos tarifários de 2021. Na prática, a amortização ocorrerá em 54 meses.

Assim, a resposta regulatória preserva a sustentabilidade econômica do setor e zela pela modicidade tarifária garantida ao consumidor.

Reequilíbrio dos contratos e futuro

A Conta-Covid é uma solução imediata e perspicaz para uma situação excepcional, mesmo que seja parcial e incompleta. Ainda não é possível compreender integralmente os impactos da Covid-19 no consumo de energia e nas atividades de cada um dos atores do setor. A regulação focou numa ponta estratégica do setor, o segmento de distribuição, e articulou um auxílio para assegurar o fluxo de caixa desses agentes.

Ainda ficaram indefinidos os contornos do que poderá ser arguido nos futuros pleitos de reequilíbrio e quais custos devem ser efetivamente suportados pelos consumidores ou a eles ressarcidos.

Vale notar que, ao aderirem à Conta-Covid, as distribuidoras ficam vetadas de rediscutir prazos, montantes e valores de seus contratos de compra de energia com geradores, mas isso não abarca  outros efeitos e impactos que a Covid-19 causar sobre seus contratos de concessão.

Resta, assim, a definição sobre como e em qual medida as distribuidoras poderão diluir os ônus da energia sobrecontratada e outros custos decorrentes da pandemia com seus consumidores.

A resposta inicial do regulador foi rápida e ainda há muitas questões a serem enfrentadas pelo setor elétrico. A Conta-Covid é um ótimo começo, mas a solução dos impasses remanescentes é essencial para todo o setor no contexto da crise econômica e sanitária que enfrentamos.

  • Mariana Avelar é advogada na Manesco Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

  • Marina Zago é advogada na Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

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